8 de março de 2016

Ninguém nasce flor

Receio
de me tornar aquilo que combato
Justificando falhas
em confortável distância dos fatos
A cada passo no raso
rio do desejo
Me revelo frágil
inapto

O que fazer quando a sede não cabe no copo?
Alimentar a chaga das que choram
Exercer domínio em nome da liberdade
aplaudir de pé tamanha debilidade

Se viver
significar insensível ser
Reificar
nosso querer esmagando corpos
Que respiram
por corações repletos de calos
Felicidade
é contradição sem os dois lados

Receio
mais uma noite em claro
Realçando diferenças
ela, prisão; eu, falo
Com toda frieza
esconderijo árduo
Indiferente, planejo
outro ato

O que fazer quando o rio não cabe no copo?
Afogar suspiros que imploram
Vivenciar prazer apesar da crueldade
aplaudir de pé como se fosse caridade

Se viver
é contradição sem os dois lados
Reificar
por corações repletos de calos
Que respiram
nosso querer esmagando corpos
Felicidade
significar insensível ser

9 de janeiro de 2016

rua nova, rua crescente

as casas viraram escuridão

sem luzes, aparelhos e virtuais distrações
a energia se dissipava dos postes
e desabava nas crianças

elas (es)corriam às ruas
diversão quase cega, cavernosa
a cada passo dado contra o escuro
o esconde-esconde ficava fácil-fácil

os olhos traçavam as formas,
a imaginação se ocupava do resto
não havia minutos melhores pra se mirar os céus

quem saia de casa estrelava

26 de dezembro de 2014

.

Minha pretensão de vida é pequena
não tenho caráter pra emprestar meu nome
pra denominar ruas, tampouco escolas
nem vejo meu corpo numa estátua
que acinzenta as praças de uma parda cidade
sou um ser ínfimo de grandes delírios
me rego por singelas utopias
gosto de estar nos sorrisos das pessoas

25 de novembro de 2014

Elogio à besteira

O desafio era ver quem fazia menos sentido na fala
tecer insensatez era algo estimado por aquelas crianças
fazíamos de conta que éramos doutores em desinteligência
(ou simplesmente esforçávamo-nos em parecer mais idiotas do que realmente éramos)
Diogo gostava de praticar a desgramática
corrigia os dizeres dos outros ao avesso:
“nós foi pular” ou “eu vamos correrem” eram coisas que lhes saiam da cachola
como preciosidades
Mais contido, Matheus não gostava de ofensas excessivas
se incomodava quando palavrões escorriam das bocas dos outros
mas caprichou na desrazão em reclame, revolto:
“tá com uma boquinha sujinha do caralho, né?”
a falta de nexo era o estandarte que os unia
ser abigobal era bem-quisto
eu apreciava obviedades ditas como se tudo
enriquecia a enciclopédia de besteiras com máximas ocas:
salientei com sapiência “a medida que a chuva aumenta, mais água cai”
“esperei 24 horas, mas pareceu um dia” me era motivo de orgulho
apequenado em altura, Victinho tinha grandura em bobagens
atlético, do tipo esquelético, chegou de rua à outra dizendo que
na partida de futebol,  dera uma bicicleta de cabeça
aquilo me trouxe ponderações
não sabia o que queria desdizer
se falava no sentido doador mental
ou se contava no desfigurativo sem chão
fiquei com a segunda

31 de outubro de 2014

Vice-verso

Sou parte do que escrevo
e vice-versa

o girassol se abre ao dia
e vence o verso

a penúria só existe se há riqueza
o denso-inverso

sonhamos tempos sem nobreza
ou vice-clero

da poesia que me toca
vi se verso

da sinfonia que tocamos
em Mi Si Ré Sol

daquele outono que cruzamos
e visse Hélio

do que escrevi e não me enxergo
e vice-verso