29 de novembro de 2012

Sobre caules

Perdoem-me os afortunados autossuficientes,
mas não acredito em flores sem caules

que flutuam sobre o nada
a se alimentar, sós, do sol
e independem de água e sal

Do auto-aplauso do auto-didata
que do alto do planalto
conserva o seu orgulho
com reservas em se sentir tocado

Todo fruto vem de dois
ou mais
Sucesso solitário
do ser incapaz
De notar que há braços ao redor
elo que não se desfaz

8 de novembro de 2012

A los que sueñan

Sobre los que sueñan a cada día
y viven como si tuvieran alas
no hago bromas

cuando uno lo hace,
no le veo gracia

Prefiero las tonterías de los que creen
que los corazones no sirven solamente para sangrar;
que los pulmones no tienen que ser agotados como la caldera de un tren de vapor;
que las manos y piernas de hombres y mujeres no deben ser tentáculos de un monstruo                    insaciable

Me encantan ellos que, en sus locuras, se lanzan en batallas por toda la vida
y persisten confundindo los sueños adormecidos con los despiertos

24 de outubro de 2012

Argumentos (de um macho) em rima

Não façamos esforços
empilhemos os pratos,
garfos, facas e colheres

amontoemos as roupas
e esperemos o cumprimento,
ofício das mulheres

reclamemos da textura,
do sal, da doçura,
das comidas que preparam


da falta de bruteza
quando achamos necessária

do excesso de sedução
se julgamos depravada


Esperemos sempre mais
de quem menos tem tempo

de sorrir, de cantar
 as dores que sentem dentro

afinal de contas,
esses são problemas delas

e das coisas leves não tratamos:
pisamos, amassamos,
roçamos e desbravamos

tentar entender não nos cabe
pois isso requer esforço e tempo
e sem eles não há possibilidade

14 de agosto de 2012

Sob o colar de pérolas

Entrou como saiu daquele bar: cabisbaixa, soterrada por maquiagem e com um sorriso engatilhado para a primeira pessoa que a percebesse. Já havia passado dos cinquenta. A julgar pelo lugar que frequentava, ainda mantinha acesa a esperança das décadas passadas.

Atravessou a multidão-apática – que parecia sentir euforia em proporção ao volume cada vez mais ensurdecedor da música – e se obrigou a sentar-se à mesa mais isolada do local. Ali fincou seu corpo por cinco, dez, doze, treze, dezesseis, dezoito, dezenove... Vinte minutos e, apesar do colar de pérolas imensas e do vestido que lhe apertava, não conseguiu atrair sequer um olhar distraído. Quando muito ganhou, foi um breve sorriso alheio, fruto de um gesto do acaso.

Enfim, levantou-se da cadeira e, em direção à saída do bar, cruzou despercebidamente as mesas repletas de pessoas – prontas para o atrito, estranhas ao contato –, enquanto carregava sobre os ombros aquele enorme colar de pérolas, meio século de vida marcado em seu rosto e sua solidão.

13 de julho de 2012

Do tempo

O tempo não espera:
passa, atropela
os moribundos e desavisados,
desabrigados ao relento

Também traz suas rugas
aos que caminham por dentro
acalentados, sob tetos,
comportados, sob confortos

O tempo não adverte,
só arrasta