17 de outubro de 2010

O menos pior

Há uma certa tradição eleitoral contemporânea muito curiosa. Da parte desta, reconhece-se que faz um longo tempo que os políticos, hereditariamente corruptos, são tudo farinha do mesmo saco. Entre os maiores concorrentes aos cargos representativos, não podemos fazer relevantes distinções políticas. Até onde percebo, é uma afirmação em sua maior parte, coerente e clara.

A política a qual estamos habituados a perceber é a política de eleições: diversas forças políticas se enfrentam numa arena por causas bastantes similares e com propostas parecidas para alcançar o maior número de cargos possíveis; a democracia em nossa sociedade parece resumir-se a uma mera escolha do representante que esvaziará nossos bolsos, do sujeito que nos oprimirá.

-Dentre todos eles, temos que escolher o menos pior - é a postura crítica máxima de um cidadão que reconhece a grave situação política em que nos encontramos, reconhecimento esse articulado a uma frustração que o faz se ver como incapaz de modificar as estruturas que propiciam a velha e desgraçada corrupção.

Desconhecem-se, ou são vendados os olhos para, alternativas que, de fato, poderiam nos apresentar melhores caminhos, mesmo que a longo prazo. O voto nulo – que discorda de todos os candidatos que estão concorrendo ao cargo político – ou uma proposta de frente da esquerda – uma articulação entre os vários grupos que apresente senão uma possível conquista de espaço político, que nos sirva para revelar aos que ainda acreditam que política formal no sistema capitalista não é nada além de capitalista, desmascarando as falsas noções que guardamos de democracia, algo que represente ao menos um maior alcance do que seria a proposta igualitária à população – , apoiados ambos numa luta popular, não são sequer consideradas por tal vertente eleitoral política.

-Não podemos exigir dos políticos algo que lhes falta, sendo assim, votaremos no menos pior.

E assim damos rumo ao nosso meio social: não queremos mais direitos trabalhistas e melhores salários para nossos conterrâneos, uma saúde pública que evite as enormes chacinas no cotidiano das filas dos hospitais, e uma educação que não se elitize, tornando o espaço acadêmico minimamente frequentado pelos que pouco, ou nada, possuem; apenas queremos o menos pior para as nossas vidas, nossa sociedade, nosso futuro.

9 comentários:

  1. Marcus, uma pergunta: até o dia 31 você consegue juntar pelo menos 40% da população brasileira pra fazer tipo uma guerrilha ou um grande ato público ou sei lá o quê?

    Eu sempre fico muito reticente ao falar dessas coisas de política. Na verdade, sempre me furtei disso. Mesmo porque me falta a compreensão de muitos fenômenos para tecer um julgamento substancioso. No entanto, este dias tenho esboçado alguns pensamentos ingênuos.

    Primeiro: a eleição é um breve momento de nossa vida política. Como eu posso dar plenos poderes a uma pessoa que vai cuidar do meu dinheiro, dos tributos que me coube dar? A população deveria tocar o terror constantemente. Mas há um problema, ou melhor, três (tem mais , mas listo estes): 1) somos domesticados pelo trabalho, chegamos tão cansados que, batendo o ponto de saída, procuramos uma moça pra pegar, uma ração que nos alimente ou um leito. E não temos tempo para as demandas sociais 2) Somos bombardeados por uma mídia de megaempresários que criminaliza os movimentos sociais e tira pessoas "de bem" da ação política, o povo de verdade 3) Quando a situação fica realmente feia, o povo (ou o funcionalismo público) toca o terror, como ocorreu em 17/7/97. Mas depois, forjam uma solução que apazigua a turba, nunca uma solução de verdade.

    Se votar nulo fosse como naquele e-mail anônimo que saíram mandando, tipo: tira os que estão e abre novas eleições com novos candidatos, eu digo que adiantaria. Tipo, nas eleições europeias do ano passado a abstenção foi de 60%. Fizeram outras eleições? Não. E o que vemos? Economias fodendo-se e pessoas descontando a raiva nos imigrantes.

    A questão não é se conformar com o "menos pior". É lutar com as armas que se tem, de preferência sem sair derramando todo o sangue do mundo, e de preferência que não seja o próprio. O que é mais factível hoje?

    Outra coisa, Marcus: já fui, em "tempos ancestrais", um sujeito bastante religioso e convivi com um sistema de valores inegociáveis. E, desde que comecei a me distanciar deles, tenho sido muito receoso a enveredar por caminhos semelhantes.

    O que é mais desolador é que todas essas reflexões podem ser tidas por pura ingenuidade e falta de consciência de classe por não adotar o mantra de que "não se pode humanizar o capital". E eu até concordo. Não se pode, mesmo, não. O poder que o capital acumulado nos proporciona mexe com algumas de nossas sanhas mais obscuras. Mas não é sua abolição (quando/se ocorrer), a meu ver, que nos tornará anjinhos de candura.

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  2. Ari, em primeiro lugar, devo dizer que as suas críticas excederam as minhas expectativas em diversos pontos.

    Mesmo conhecendo muito pouco de seu posicionamento político - o que pude perceber desde que li frases suas soltas na internet – fizeram-me ter uma visão precipitada sobre o que imaginei que você pensava sobre política. Antes de tudo, tenho que deixar bastante claro que também acredito não ter uma percepção aguçada para muitos fenômenos políticos e sociais. Porém não acho que isso deva nos impedir de expor/contrapor nossos argumentos.

    Penso que não seja uma mera coincidência você achar que, por eu defender o voto nulo, eu acredite que a postura correta a ser tomada seja incondicionalmente a da luta armada. No próprio espaço acadêmico que frequentamos, há grupos que tomam defesa dessa posição.

    Sendo bem franco, eu acredito que quanto mais conseguirmos transformar - inverter as relações sociais atuais - o nosso sistema econômico, mais alcançaríamos melhorias para a coletividade, mesmo que essas pudessem não ser sentidas imediatamente.

    Junto com isso, não vejo modo de que seja realizado senão pelo conflito, que se apresenta, em última instância pelos grandes atos públicos, ou, como satirizado por você, através das guerrilhas. Acho que o simples fato de vivermos numa sociedade contraditória, que para se desenvolver, e se manter, depende de uma relação de classes radicalmente desiguais e antagônicas, explica a questão. Embora o meio da violência não me pareça o mais adequado na atualidade (e nem será por um longo tempo, arrisco dizer), creio que não seja um devaneio defendê-lo em situações que assim se mostre necessário.

    Quando falei que o voto nulo se apresenta como um voto de crítica a política hegemônica não foi no sentido de afirmar que para que a realidade seja modificada, temos que votar nulo, apenas: talvez isso não esteja nítido, principalmente, pelo caráter breve do texto. Um dos graves problemas da sociedade, e isso inclui a maioria dos partidos e grupos de esquerda, parece-me confundir a vida política com o ato de digitar alguns números nas urnas, acreditando que assim seja a melhor, ou única, maneira que podemos dar peso a nossa opinião. Defender um posicionamento crítico nas eleições muito pouco vale quando não ligado a uma prática sociopolítica: penso que isso deveria estar claro não somente aos que apoiam o voto nulo, mas aos que votam em candidatos de esquerda.

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  3. Mas por que será isso acontece? Bem, achei magistral a enumeração dos problemas feita por você. Também vejo que a nossa própria realidade, quase que completamente desfavorável a engajamentos socialistas, distancie a níveis absurdos a possibilidade de conseguirmos tornar concreta e forte uma luta contra a miséria generalizada que vivenciamos, todavia não vejo que isso torne uma proposta de transformação inviável ou desnecessária, acho que o que ocorre é justamente o contrário, Ari.

    Também fui, desde pequeno, criado em um meio que me levava a sustentar crenças religiosas, mas pude, ao longo da infância e adolescência, escutar e conhecer outras opiniões divergentes da que minha família e outros espaços sociais me preparam para acreditar - felizmente, hoje avalio. Creio que seja essencial estarmos sempre refletindo sobre o que acreditamos, como enxergamos e explicamos as nossas vidas, a nossa sociedade. Desde que tive contato com leituras críticas da sociabilidade capitalista, passei a perceber com outros olhos as causas de vários fenômenos sociais contemporâneos. Esforço-me muito para que isso não signifique petrificar o meu “raciocínio sobre a sociedade”, embora seja uma chance a qual estou sujeito.

    Porém, falando sobre inflexibilidades e dogmas, não penso que a sua visão se distinga suficientemente. Acreditar numa possibilidade de emancipação da humanidade, ao meu ver, não se trata de um sonho inalcançável, nem de entrever um futuro extraordinário, indubitável e próximo, mas de buscar entender, através do cotidiano, as raízes sociais da contradição que vivemos para propor meios que nos aproximem de um horizonte claramente benéfico ao ser humano. E por mais que não nos transforme em pequeninos e puros anjos, ao menos traga a possibilidade do ser social efetivar sua humanidade de modo cada vez mais amplo, individual e coletivamente.

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  4. Marcus, estou preparando a réplica. E ela é longa. Mania desse povo de escrever comentário longo, né? Mas é o jeito.

    Você perguntou pelo meu blogue, foi isso mesmo? Olha, ele aparece no meu perfil do Twitter e se você clicar no perfil do Blogger(essa carinha que aparece junto com o comentário). Mas, por via das dúvidas, o endereço é: http://desminiscencias.blogspot.com.

    Raramente falo de política nos meus textos. São mais poemas ou coisa do gênero. Só o clima eleitoral tem me dado mais coragem pra (e me obrigado a) pensar nessas coisas.

    Um abraço.

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  5. Ufa! Estava realmente preocupado com a resposta que poderia receber, afinal, sou meio sacana quando falo dessas coisas. Já fui pior, é só lembrar os tempos em que eu ensinava vocês. Às vezes dou a cara a tapa com ironias naïve. É que eu realmente acredito que tem que haver alguma gracinha (na qual às vezes só eu vejo graça, fazer o quê?) na hora de discutir essas coisas, pois cultivo o romantismo de que o humor possa repercutir com mais força e (paradoxalmente)mais leveza no lide com temas tão áridos. Creio, mais romanticamente ainda, que o riso pode ser nesse sentido um instrumento de revolução e, como diria Maiakovski, “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. E eu ouso estender: sem arte revolucionária não há revolução de fato: o trato com o poder seguirá os mesmos parâmetros excludentes que têm caracterizado as estratégias de gestão dos bens de produção ao longo da história, caso não atente para detalhezinhos. Este é um raciocínio que eu venho tentando desenvolver há um tempo, mas um dia chego lá. Ou não.

    A palavra parece mesmo subverter a noção de posse, não é? Uma vez dita ou escrita, perdemos o controle sobre ela: não podemos ser ditadores do sentido (graças a Deus — sim, posto que nem sobre as palavras que Lhe são atribuídas se pode estabelecer nenhuma posse sem que surja alguma discordância). Quando falei nessa questão da luta armada, realmente fui hiperbólico. Não imaginei que você fosse realmente partidário desta forma de ação política como a única a gerar mudança social. Foi uma frase de efeito safadinha.

    Também acredito que o embate é necessário. Hoje entendo que é pretensão demais achar que entramos no “fim da história” ou terminologias igualmente bombásticas. Isso hoje pra mim parece balela de articulista da Veja. Acho sim, que o povo deveria ser um pouquinho só mais irritado, afinal, seus interesses são SIM antagônicos aos dos que compõem a elite. Mais irritado, portanto. E corajoso. Eu me incluo. Acho que devia ter um 17 de julho a cada seis meses em Alagoas, no mínimo.

    Moro perto de Bebedouro e vi hoje à tarde, na rua principal, um ajuntamento de pessoas e cinco viaturas da PM. Numa região tão distante do Centro e tão esquecida do Estado, uma visão incomum. Perguntei a um cidadão o que tinha acontecido. Ele disse que um mercadinho foi assaltado ao meio-dia e à tarde fizeram um protesto, queimaram pneus e fecharam a Cônego Costa. Fiquei muito abalado com uma notícia tão comum, mas ao mesmo tempo fiquei feliz com o fato de a comunidade ter se manifestado de forma enfática, mas não agressiva. Sonho mesmo com o dia em que nos irritemos mais em busca de nossos direitos.

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  6. Não acredito que um voto resolva todos os problemas da humanidade. Na verdade, creio mais em seus efeitos negativos que nos positivos. Não podemos, num bipe de urna eletrônica, transformar o Brasil numa Suíça. Mas os outros, guiados pelo terror midiático e religioso, podem transformá-la num Irã. Seu corte de cabelo seria considerado subversivo na terra de Mahmoud Ahmadinejad. É mais desgastante lutar por equidade social ou lutar por equidade social e ao mesmo tempo pelo direito de ter cabeleira?

    A política, assim como o futebol, inspirou-me apenas desencanto. Desde 1998, quando a derrota do Brasil expôs toda a máfia da FIFA. Desde 2002, quando Lula fez alianças inimagináveis outrora para poder movimentar minimamente seu projeto de poder/governo. Retomei ambos ardores este ano. E espero pelo menos mantê-los, ou não estarei fazendo nada.

    Também acho injusto um sistema baseado na flagrante desigualdade social. O problema, Marcus, é que são tantas questões, e sobre todas elas eu quero poder desenvolver um raciocínio menos caótico. Mas não quero estar a serviço de quem me explora, embora perceba que às vezes o esteja inconscientemente (ou até conscientemente, mas sem saco pra me opor).

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  7. Você disse que tinha uma visão precipitada de meu "posicionamento político" pelos tuítes. Fico curioso pra saber como era. Além do mais, não creio que meu posicionamento político disponha dessa consistência toda. Não tenho essa pretensão. Talvez esteja errado em não a ter. Enfim, como era essa visão?, vai, conta!

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  8. Só pra encerrar (ou não): você escreve muito bem! teve um problemazinho de coesão no primeiro comentário da resposta sua, mas de resto, tudo cuidados, tudo articulado. Massa! Dificilmente um bom leitor não terá também essa facilidade com a escrita.

    Ah, ter você como interlocutor para essas questões tem sido realment interessante. E só por isso resolvi expor minha opinião em seu blogue. Na verdade, não foi só por isso, não: é que eu estou vendo a hora de lincharem ateus e LGBTs pelas ruas do Brasil, e acho que não poderia me omitir quanto a isso.

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  9. Tardei, tardei, mas agora sai, Ari.

    Comentários longos são bacanas até para esclarecer melhor a opinião de cada um, já que, a meu ver, muitas vezes nos precipitamos na compreensão de um texto por lê-lo pouco, ou por ele ser curto mesmo.

    Eu já havia encontrado o seu blog. Quando nos encontramos, falei que já o estava seguindo e que depois daria uma olhada, também prorrogada. Tenho acessado o computador várias vezes, mas evito passar muito tempo nele: prejudica um bocado os outros afazeres!

    Penso sempre ser importantíssimo falar sobre política, mesmo que “se saiba pouco”, ou que “as opiniões sejam contrárias”. Também sou um apreciador de ironias, seja para tornar a discussão mais leve, agradável (pelo menos para quem a acompanha de fora), ou para exagerar o argumento da outra pessoa, e, assim, tentar ver até onde ele chega.

    O comodismo que sofremos há vários anos nos tornam vítimas passíveis de um tipo de economia que só atende aos interesses dos de cima, Ari. Apesar do agir ter que, imprescindivelmente, surgir na classe trabalhadora, é complicado “culpá-la pelo pacifismo”... creio que a ideologia dominante, muito bem difundida pela mídia (a Revista Veja, como você citou num exemplo), realiza isso de maneira esplendida.

    Gostei bastante da discussão que fizemos por aqui, embora não me alongarei nela (no espaço deste post) por achar que ainda teremos oportunidades várias. Se o assunto é escrever bem, acho que muito mais eu teria a falar por como você escolhe e reúne as palavras do que o contrário!

    Quando disse que tinha outra impressão sobre o seu posicionamento político, era mais por tweets que havia visto (como um que você falava sobre a festa da UNE em contraponto com a festa da ANEL), do que por uma conclusão bem formulada. Acho que esse breve comentário em específico me fez achar que você discutia política apenas fazendo sarcasmos contra os partidos de esquerda... acredito que foi um chute dos mais feios.

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